Uma das muitas pequenas satisfações que eu tenho com a cerveja (além de beber claro) é quando eu posso usar ela para falar de assuntos científicos/de engenharia avançados que quando estudados em sala de aula parecem isolados da realidade.
Nunca imaginei na que um dia ia falar com alguém que não fosse meus alunos na universidade da equação de Stokes (que diz a velocidade de decantação), da equação de Bernoulli e o Número de Reynolds (que podemos utilizar para dimensionar para dimensionar uma linha de serviço de cerveja para ela não espumar), da Lei de Fick (que nos faz entender como o aroma do lúpulo ou mesmo o CO2 é dissolvido na cerveja) e se eu pensasse mais um pouco possivelmente chegaria a uma dezena de exemplos.
Hoje vamos falar de mais duas equações que podem nos ajudar a ter uma precisão maior na carbonatação de nossa bem como entender melhor o efeito de diversos parâmetros que em um primeiro momento nem são associados à carbonatação. São elas a Lei de Henry e as equações termodinâmicas de estado, no nosso caso mais precisamente a Equação dos GasesIdeias.
Antes te continuar, pode ser bom que você assista o vídeo Entendendo a Carbonatação do Beer School no YouTube. É uma introdução bem didática de alguns pontos que vamos falar aqui.
Quando falamos em carbonatação, inevitavelmente temos que falar de equilíbrio. Parte do CO2 fica na fase gasosa, no headspace do fermentador, do barril ou da garrafa e parte do CO2 fica na cerveja em si. Se tiver muito CO2 no headspace, ele vai migrar para a cerveja até atingir o equilíbrio, isso é a carbonatação em si. Podemos deixar o headspace cheio de CO2 ligando a ele um cilindro pressurizado. Se tiver muito CO2 na cerveja, ele vai migrar pra fora até atingir o equilíbrio, isso seria a descarbonatação. Isso acontece quando deixado uma cerveja destampada e ela vai lentamente perdendo o gás.
Esse equilíbrio pode ser calculado pela Lei de Henry. Essa lei nos diz algo que pode parecem bem óbvio: Quanto mais gás no headspace, mais gás na cerveja, porem não necessariamente na mesma concentrçaão.
Em uma das muitas formas que essa lei pode ser expressa, temos a equação (1). Ela diz que o CO2 dissolvido no líquido é igual a pressão do headspace multiplicado por uma constante que nos dá a relação de equilíbrio.
À 13°C essa constante vale exatamente 2(g/L)/bar. Ou seja, para cada 1 bar de pressão no headspace (1bar ~ 1kg/cm2), a cerveja tem 2g/L de CO2. Falando assim parece até fácil né?
O problema é que na vida real as constantes variam mais que as variáveis e essa constante não é tão constante assim. Ela depende por exemplo da temperatura. Quando mais alta a temperatura, menos CO2 o líquido consegue absorver. E dessa relação, sai a nossa tão conhecida tabela de carbontação forçada.
Essa tabela basicamente nos dá a relação de equilíbrio em cada temperatura e pressão. A única diferença é que ela expressa a concentração em volume de CO2 (unidade meio besta, mas é a padrão. Logo teremos um post só pra falar dela).
Não sei exatamente quem fez essa tabela ai, mas ela roda a internet cervejeira e é base para 99.9% dos cervejeiros, eu incluso, para carbonatar a cerveja. (Obrigado autor anônimo).
O fato é que ela veio de alguma adaptação da Lei de Henri. O artigo Carbon Dioxide Solubility in Beer publicado no Journal of the American Society of Brewing Chemists faz um compilado das principais equações de equilíbrio que pesquisadores cervejeiros determinaram ao longo da história.
Algumas são simples como a equação proposta por Holle:
Note que a forma da equação é basicamente forma da Lei de Henri, divido pela temperatura. Com essa equação é possível construir a Tabela 1, basta jogar um monte de valores de pressão (em psi (lbf/in2)) e temperatura (°F).
Porém pesquisadores mais recentes notaram que outros parâmetros também influenciam no equilíbrio, como a FG da cerveja, o teor alcoólico e até a concentração de sais!
Essa equação nos dá a concentração de CO2 em g/(L·bar), sendo essa uma unidade muito melhor. Tc é a temperatura em °C, Av/v é o teor alcoólico da cerveja, NaCL é a concentração de sal em g/L e E é o extrato real (um forma mais precisa de expressar a FG).
A diferença entre usar a primeira equação, mais simples, e a segunda, que leva mais parâmetros em conta, pode ser de até 15%!
Em cervejas médias a primeira equação desempenha um papel muito bom. Por outro lado em cervejas muito alcoólicas ou pouco alcoólicas, ou cervejas muito atenuadas (como Bruts) ou pouco atenuadas (como as feitas com as “novas” leveduras Saccharomyces Cerevisiae var. chevalieri que atenuam em média 15%) o desvio do CO2 real para o calculado pode ser enorme e ter grande impacto sensorial.
Saindo um pouco do líquido, podemos utilizar a Equação dos Gases Ideias com impressionantes 99% (ou mais) de precisão para calcular a quantidade de gás no headspace. Confesso que fiquei surpreso e achava que teria que recorrer à equações mais complexas, mas aparentemente as condições usuais de T e P da cerveja são amenas suficientes para cair na faixa de validade dessa equação para o CO2.
Resumindo um pouco, com ela conseguimos calcular a concentração de gás na fase gasosa (headspace), isolando n/V (mol/L) e multiplicando pela massa molar do CO2 (g/mol).
Para não me estender muito mais (acho que já deu de cálculos por hoje né?) deixo aqui um link para uma planilha no google sheets onde eu coloquei essas equações e algumas coisas a mais que pode ser utilizado para fazer diversas simulações. Para acessar a planilha clique aqui. Não esqueça de clicar em fazer uma cópia para poder editar!
Grandes amigos
cervejeiros, resolvi aproveitar a quarentena e o convite do amigo Jamal
Awakzsksdofebvasvefvllaak (Beer School) para ser produtivo e voltar a escrever
sobre cerveja, mas antes vou me apresentar rapidamente.
Comecei como
homebrewer em 2009 e montei um blog de cerveja, o http://www.cervejahenrikboden.com.br/.
Fui ganhando experiência nas panelas e comecei a oferecer cursos de iniciante,
mas atualmente ofereço apenas para workshops avançados que já ministrei em
literalmente todas as regiões do Brasil. Atualmente também sou professor no
curso de pós graduação de Especialização em Gestão e Fabricação de Cerveja da
Universidade de Vassouras.
Também sou atualmente sócio e cervejeiro responsável pelas cervejas da @sunhopbrewery bem como consultor e cervejeiro responsável pelas receitas da @terraleste_, mas também já desenvolvi receitas para outras cervejarias no como a @wkattzcervejaria e o @narreal_brewhouse.
Na parte divertida da cerveja, a de beber e não de fazer, me formei sommelier pelo Instituto da Cerveja Brasil- ICB, sou Juiz BJCP e Cicerone Certified Beer Server, mas agora vamos ao que interessa!
Decidi
escrever sobre a estabilidade da espuma, pois todo cervejeiro ama um belo
colarinho em suas cervejas. Ele pode ser cremoso ou suave, branco ou castanho, baixo
ou alto, mas uma característica é sempre importante, a persistência!
Ora, para obtermos um colarinho de boa retenção diversos fatores devem ser considerados. Você pode até negligenciar um parâmetro ou outro e ainda obter um bom resultado, mas o bom cervejeiro é aquele que estuda e fica atento ao máximo de fatores na formulação da receita e durante a produção, justamente para minimizar os riscos e obter melhor resultado possível.
Vale lembrar
que, o presente artigo não tem como alvo a carbonatação em si, mas somente a
retenção e qualidade do colarinho de nossas cervejas analisando tudo que é
relevante da panela ao copo.
ÁGUA CERVEJEIRA: TRATAMENTO E PH
A água
normalmente é o insumo mais negligenciado pelos cervejeiros caseiros e mesmo
dentre os profissionais, muitos ainda não dão atenção adequada ao seu
tratamento ou a correção de pH do mosto.
É verdade que,
outros insumos como o malte e o lúpulo fornecem componentes diretamente relacionados
com a retenção do colarinho, mas a água é sim importante ainda que de forma
indireta.
O Kunze, por
muitos considerado a bíblia dos mestres cervejeiros alemães, aponta que uma espuma mais densa e estável é obtida
quando o cervejeiro faz um bom controle do pH da mostura.
Existe muita
controvérsia para o que seria o pH ideal da mostura, mas isso é assunto para
outra oportunidade. Digamos que a faixa entre 5.2 e 5.6 é adequada, mas o alvo
ideal seria algo como 5.3 e 5.5 (com medição em temperatura ambiente é claro).
Para que a mostura
alcance esse pH, normalmente se faz necessário tratar a água para alcançar um
mínimo de 50ppm de cálcio recomendado pela literatura (pessoalmente recomendo
um mínimo de 80ppm), bem como acidificar com ácido apropriado (lático ou
fosfórico) quando necessário.
Uma
curiosidade: muitos íons metálicos favorecem a retenção do colarinho, mas
normalmente trazem off-flavors e facilitam também processos de oxidação e por
isso devem ser evitados.
MALTE, ADJUNTOS E MOSTURA
Essa
provavelmente é a parte mais importante do artigo, pois são os maltes e
adjuntos que fornecem as proteínas necessárias para a sustentação da espuma.
O assunto é complexo. Afirmar meramente que, quanto mais proteína melhor a persistência do colarinho é uma análise crua e demasiadamente superficial.
A ciência já identificou que alguns tipos de proteína de médio peso molecular são muito importantes e benéficas ao colarinho sendo a LTP1 a proteína chave dessa correlação.
Infelizmente é
inviável classificar e analisar as inúmeras de proteínas existentes em nossos
cereais cervejeiros, conforme sua influência em relação à espuma e por isso
recomendo focar em seu peso molecular e comportamento.
A grande
maioria das proteínas de médio peso molecular apresenta comportamento
hidrofóbico (ou seja, “não gostam de líquidos”) e tendem a aderir nas
bolhas de CO2, tornando-as mais elásticas e por isso mais resistentes e duradouras ao
atingir a superfície de sua taça.
As proteínas
de médio PM são, portanto, as melhores amigas do colarinho de nossas cervejas!
Por outro lado, as proteínas de baixo peso molecular (o famoso FAN) apresentam comportamento hidrofílico e por isso não colaboram com a retenção de espuma já que não se ligam nas bolhas de CO2. Por outro lado, são importantes como nutrientes da levedura na concentração adequada (nem baixa ou nem alta demais por gerarem uma miríade de problemas na fermentação como, por exemplo, diacetil).
E as proteínas grandes? As de alto peso molecular? Bem, ao contrário das demais elas normalmente são insolúveis no mosto e por isso acabam eliminadas durante a produção nas etapas de clarificação e fervura (ou quebradas em pedaços menores na mostura)
Indo além das proteínas, os cereais cervejeiros possuem lipídeos, ou seja, gordura! Esta sim é uma inimiga do colarinho, portanto grãos ricos em lipídeos normalmente são considerados negativos nesse aspecto.
É justamente aqui, que temos uma grande controvérsia! Uma das maiores lendas de nosso universo cervejeiro é a ideia de que a aveia seria uma grande aliada da retenção da espuma, mas é justamente o contrário, a aveia é inimiga do colarinho!
Para provar
essa audaciosa afirmação eu vou chamar Charles Bamforth em meu auxílio, o maior
cientista cervejeiro vivo, em minha opinião.
Bamforth também é conhecido como “Papa da Espuma”, por conta de seu conhecimento sobre o assunto, que rendeu dezenas de artigos e um livro inteiro apenas sobre o colarinho da cerveja.
Então, para
Bamforth a aveia é inimiga do colarinho por ter um conteúdo de lipídeos muito
elevado (praticamente o triplo da cevada).
Ora, quando a
maior autoridade científica cervejeira do planeta diz que aveia é maléfica ao
colarinho você buscaria uma segunda opinião?
Bem, eu busquei e confirmei! Um artigo recente (Brewing with up to 40% unmalted oats and sorghum) é ainda mais específico e salienta que o uso de aveia em até 10% da receita não contribui positiva ou negativamente ao colarinho, mas conclui que o uso acima desse patamar teria sim um impacto muito prejudicial.
Aposto que,
muitos nesse momento devem estar pensando na Oatmeal Stout, famosa pelo uso de
aveia e pelo colarinho cremoso e persistente.
Ocorre que, maltes e/ou cereais torrados, utilizados nessa e em outras cervejas escuras são excelentes para retenção de espuma como comprova outro artigo justamente dele, Bamforth!
Além disso, esse
artigo também aponta outro ponto polêmico: a de que a maioria dos maltes especiais “caramelo” seriam “foam negative”. Ou seja, são prejudiciais ao colarinho. Isso
inclui o próprio malte Carapils ou Carapilsen
(a denominação pode variar entra essas ou outras conforme a maltaria).
Aliás, notem que outrora considerado um aliado da espuma, o Carapilsenapresentou um dos piores resultados nos testes de retenção de espuma, ou seja, um malte base regular é mais eficiente em resguardar a saúde do colarinho do que ele.
Eu sei que esse também é um assunto controverso já que praticamente todas as maltarias apresentam o Carapilsen, e a maioria dos maltes caramelo como sendo benéficos à espuma.
Bem, cabe a vocês acreditar no material publicitário de apresentação do produto das maltarias ou nos livros e artigos científicos do Charles “Papa da Espuma” Bamforth. Eu certamente já fiz minha escolha.
Deixando as controvérsias para trás, vou fazer aqui uma lista dos maltes e adjuntos correlacionando com a qualidade da espuma e utilizando como base minha experiência pessoal e diversas fontes além dos livros e artigos já citados:
MALTE
AMERICANO – POSITIVOBamforth aduz
que, por conta do clima úmido a cevada americana possui uma quantidade maior de
proteínas LTP1 se comparada à europeia.
CEREAIS
OU MALTE TORRADOS/TOSTADOS – MUITO POSITIVO
MALTES CARAMELO
– NEGATIVO
MALTE DE
TRIGO – MUITO POSITIVO: Baixos
lipídeos e alta concentração de proteína. Testes do estudo do Bamforth demonstraram
que é positivo pra espuma.
CHIT MALT
– MUITO POSITIVO: Apesar da baixa
eficiência e dificuldade em ser utilizada, o livro The New IPA do Scott Janish
recomenda como sendo positivo para colarinho especialmente em NEIPAs substituindo
a aveia.
TRIGO EM
FLOCOS, MALTE BASE POUCO OU MAL MODIFICADO: POSITIVOS
ARROZ,
MILHO, HIGH MALTOSE, AÇÚCARES SIMPLES EM GERAL: OUTROS – NEGATIVOS
Já pormenorizamos a influência dos cereais cervejeiros, mas e como eles são utilizados durante a brassagem?
Uma boa dica
inicial é esclarecer que, a parada proteica deve ser interpretada da mesma
forma que a sacarificação, já que são semelhantes pela forma de controle e
atuação das enzimas. Vamos exemplificar para ficar ainda mais claro.
Uma
sacarificação em temperatura mais baixa privilegia a atuação da beta amilase, que age degradando as
cadeias de amido pelas extremidades
em pedaços pequenos (maltose). Temperaturas
mais elevadas, por sua vez, favorecem a alfa
amilase, que atua no interior das
cadeias amilolíticas gerando principalmente “pedaços grandes” de
tamanhos variados que chamamos de dextrinas.
O mesmo ocorre
na faixa de atuação das enzimas proteolíticas, que seria aproximadamente de 40 à
60ºC.
Na margem
inferior, de 40 à 50ºC, temos uma
maior atuação das exopeptidades que,
como o prefixo já esclarece, agem nas extremidades
de proteínas grandes e médias degradando-as em FAN.
Por outro lado,
entre 50 à 60ºC, temos uma maior
atuação das endopeptidades (também
chamadas de proteases ou proteinases) que agem no interior de proteínas grandes degradando-as principalmente em médias.
Ou seja, assim
como beta amilase separa o amido pelas pontas em pedaços pequenos de maltose em
temperaturas mais baixas de sacarificação, o mesmo acontece com as
exopeptidases que também agem pelas extremidades produzindo FAN na faixa
inferior de temperatura recomendada para a parada proteica.
Igualmente podemos equiparar a alfa amilase e as endopeptidases, ambas produzindo “pedaços maiores” de carboidratos e proteínas respectivamente.
Vale ressaltar que estamos falando de valores aproximados de temperatura. Tanto as ” “exo ” como as “endo” peptidades funcionam fora das faixas citadas, apenas em menor velocidade.
Ora, vimos que as proteínas de médio peso molecular são benéficas ao colarinho. Então, ao contrário do que muitos acreditam, uma parada proteica bem feita é benéfica à retenção de espuma e não o contrário justamente por funcionar, principalmente, degradando proteínas grandes em médias.
Importante salientar que, não estou afirmando que devemos sempre trabalhar a parada proteica em temperatura mais elevada.
Também não é o
caso de realizar uma parada proteica em todas as suas levas! Receitas contendo
apenas maltes base bem e/ou muito modificados devem evitar essa rampa e iniciar
a mostura já na sacarificação.
Devemos sim pensar cada caso individualmente. Considere, por exemplo, que uma rampa entre 40 e 45ºC é fundamental para a maioria das cervejas de trigo justamente pela possibilidade de se trabalhar enzimas como ferulic esterase, que possibilita aroma de cravo, e a betaglucanase, que diminui a viscosidade do mosto atacando glucanos.
O bom cervejeiro é aquele que, pesquisa bastante antes de preparar uma receita e gerencia com cuidado e atenção sua brassagem. Afinal, uma parada proteica bem feita pode ser essencial para sua espuma, mas certamente quando exagerada ou mal planejada pode resultar em desastre para o colarinho!
LÚPULOS E LUPULAGEM
O lúpulo,
normalmente lembrado por sua contribuição ao amargor e aroma, é também muito
importante para a retenção da espuma.
Assim como nas
proteínas, as frações mais hidrofóbicas das resinas de amargor do lúpulo são
bastante importantes para a retenção de espuma como um todo, mas especialmente
para o desejável efeito de lacing na
lateral das taças.
Importante
destacar que, são os alfa ácidos isomerizados aqueles responsáveis por esse
efeito positivo na retenção de espuma, sendo o mais eficaz dentre eles o
isohumulone. Ele possui uma capacidade de ligação com a proteína LTP1 potencializando
sua capacidade de conferir resistência e elasticidade as bolhas mantendo-as
ainda por mais tempo na superfície do copo.
No entanto, as
demais fontes de amargor como humulinonas (alfa ácidos oxidados, normalmente
relevantes apenas via dry hopping) e polifenóis não trazem contribuição significativa
ao colarinho.
E qual seria
então, a melhor maneira de selecionar e utilizar o lúpulo em nossas cervejas de
forma a obter um bom resultado em termos de retenção de espuma? Vejamos algumas
considerações:
Como
fonte de amargor prefira os alfas ácidos isomerizados em detrimento de
humulinonas e polifenóis.
Ao selecionar os lúpulos de amargor os com baixo índice de cohumulone e alto índice de
humulone são mais indicados.
Lúpulos
com baixo índice de alfa ácidos para amargor são menos indicados para amargor,
pois exigem uma maior quantidade e boa parte do amargor pode vir de fontes
menos indicadas (especialmente polifenóis).
Dry
hopping pode prejudicar a retenção de espuma já que alfa ácidos
isomerizados são perdidos, enquanto humulinonas e polifenois ganham proporção
na contribuição ao amargor.
Extratos
de lúpulo Hexa ou Tetra hidro-iso-alfa-ácidos (aqueles usados para
prevenção de lightstruck em garrafas verdes ou transparentes) são extremamente benéficos à espuma,
mas cuidado para não exagerar. Em concentrações exageradas o colarinho adquire
uma textura inadequada (semelhante à clara em neves). Uma dosagem genérica recomendada
para uso caseiro seria algo como 1ml para 20 litros de cerveja.
LEVEDURAS E FERMENTAÇÃO
Assim como a
água, as leveduras em si não influenciam diretamente adicionando elementos positivos
a estabilidade da espuma.
Podem, porém,
exercer grande influência indireta, pois quando expostas a condições
desfavoráveis (especialmente autólise) podem excretar proteinase (uma enzima que
acaba por degradar proteínas positivas ao nosso colarinho).
Desse modo, é
importantíssimo redobrar a atenção e adotar as melhoras práticas de fermentação
e manejo de levedura. Tais como, taxa de inoculação, oxigenação do mosto,
controle apurado de temperatura e oferta adequada de nutrientes.
De fato,
Bamforth e diversos outros autores já demonstraram que íons metálicos como ferro e manganês são positivos para a retenção de colarinho, mas
prejudiciais em outros aspectos e por isso devem ser evitados. O zinco, porém,
é um aliado duplo do colarinho, pois além de ser um nutriente desejável e
essencial ao processo de fermentação, também colabora como coadjuvante na
persistência da espuma.
Vale lembrar também que cervejas mais alcoólicas merecem um cuidado maior,
eis que normalmente decorrem de fermentações mais estressantes à levedura (e
por isso mais propícias a perda de proteínas boas pelas proteinases excretadas).
Além disso, o próprio álcool em si é um elemento negativo à espuma.
Uma opção para os cervejeiros profissionais menos puristas, seria
considerar (ou reconsiderar) o uso de alguns aditivos. O PGA (Alginato de Propilenoglicol)
é positivo ao colarinho, mas alguns clarificantes e processos podem ser
prejudiciais (ainda que sensivelmente) tais como PVPP, silica gel, isinglass,
gelatina, bentonita e filtração.
SERVIÇO E DEGUSTAÇÃO
Quanto ao
serviço, apenas para listar o óbvio, uma taça limpa e adequada é o mínimo que
se espera.
Uma boa opção genérica que costumo utilizar é o modelo Tulip. A sua curva lateral oferece apoio extra ao colarinho e, pelo menos em minha opinião, é um modelo bom o suficiente para degustar desde a sua Pilsen do dia a dia até aquela Imperial Stout que você fez anos atrás e escondeu no armário.
Outra
possibilidade pouco lembrada são as taças com pontos de nucleação. Elas foram
desenvolvidas com pequenas ranhuras ou furos no fundo justamente para liberar
gradualmente bolhas de CO2 repondo o seu colarinho aos poucos.
Finalmente temos
o uso de nitrogênio, seja na forma de widget (aquela espécie de bola de ping
pong que fica dentro das latas de Guinness e que libera o gás quando aberta),
seja na forma de cilindros. Nos bares o
nitrogênio é muito utilizado para reduzir o espumamento excessivo durante o
serviço de chope, mas com o preparo adequado da carbonatação e torneira
adequada podemos obter aquele famoso efeito visual de cascata e a típica
textura do colarinho nitrogenado.
CONCLUSÃO
Espero que
tenham apreciado o texto e as dicas nele constantes.
Vale ressaltar
que, evitei o uso de termos mais técnicos para facilitar a leitura.
Aminoácidos, peptídeos, polipeptídeos foram simplificados e tratados
simplesmente como “proteínas” por exemplo.
No entanto, apesar de linguagem descontraída, o texto possui amplo fundamento científico amparado pela bibliografia abaixo e não é voltado para iniciantes haja vista que também não são explicados conceitos mais básicos e superficiais.
Um ponto que
muitos devem ter notado, é a ausência de uma parte associando corpo, dextrinas,
pentosanas e glucanos ao colarinho.
Na realidade não encontrei artigos que indiquem evidências relevantes associando esses elementos à estabilidade da espuma. Pelo contrário, Bamforth afirma que se essa relação existir, seu efeito seria pequeno e redundante.
Essa conclusão também foi confirmada em outros artigos como o Correlation of Beer Foam with Other Beer Properties o qual destaca que a viscosidade adicional gerada por esses elementos poderia até gerar uma influência na retenção, mas que essa teoria não é muito popular no meio científico e que também não existe correlação significativa desses fatores com o colarinho.
A propósito,
devem ter notado que citei bastante Bamforth nesse artigo. Afinal, é
basicamente impossível falar de espuma na cerveja sem esbarrar em textos dele
que é notoriamente a maior autoridade no assunto e, portanto, a fonte mais
confiável.
Diante de
todos esses elementos acima listados, fica fácil perceber que um bom colarinho é
o resultado da busca por fatores positivos (especialmente a seleção dos insumos
e manejo das rampas de mostura), enquanto os negativos (como lipídeos e autólise)
que devem ser evitados. Mas, de modo geral, a busca por um colarinho perfeito
não é uma missão tão difícil assim. Uma receita simples, bem formulada e
produzida com cuidado quase sempre resultará em uma boa cerveja com espuma mais
que adequada.
MATERIAL COMPLEMENTAR (E MINHAS FONTES DE PESQUISA)
Bamforth,
C.W. – The foaming properties of beer. Journal of the Institute of Brewing
Bamforth,
C.W. – Beer a Quality Perspective ”
Bamforth,
C.W. – Brewing Materials and Processes: A Practical Approach to Beer Excellence
Bamforth,
C.W. – Essays in Brewing Science
Bamforth,
C.W. – The Chemistry of Beer. The Science of the Suds
Bamforth,
C.W. – Foam inhibitors from specialty malts
Bamforth,
C.W. e Ang, Justin K. – Positive and negative impacts of specialty malts on
beer foam: a comparison of various cereal products for their foaming properties
Evans,
D.E. e Hejgaard, J. – The impact of malt derived proteins on beer foam quality.
The effect of germination and kilning on the level of protein Z4, protein Z7
and LTP1. Journal of the Institute of Brewing.
Kunze,
Wolfgang – Technology Brewing & Malting
Nieuwoudt,
Melanie. – LTP1 and LOX-1 in barley malt and their role in beer production and
quality.
Lewis,
Michael J. e Lewis, Ashton S. – Correlation of Beer Foam with Other Beer
Properties
Schnitzenbaumer,
Birgit e Arendt, Elke K. – Brewing with up to 40% unmalted oats (Avena sativa)
and sorghum (Sorghum bicolor)
Brey, Stephan E. Samodh de Costa Peter J. Rogers James H. Bryce Peter C. Morris Wilfrid J. Mitchell Graham G. Stewart – The Effect of Proteinase
A on Foam‐Active Polypeptides During High and Low Gravity Fermentation