Vienna Lager

Números
OG: 1.046–1.052 (11.4–12.9 °P)
FG: 1.010–1.014 (2.6–3.6 °P)
SRM: 10–16
IBU: 18–30
ABV: 4.5–5.5%

A história da Vienna Lager é inevitavelmente associada a um nome – Anton Dreher, cervejeiro austríaco que em 1840 teve a brilhante ideia de combinar as características de frescor das cervejas lagers com os novos maltes de tonalidades mais escuras recém popularizados na Inglaterra. Esse novo estilo ficou conhecido como Schwechater Lagerbier e Anton Dreher chegou a ser a quinta pessoa mais rica da Áustria.

Esse estilo hoje é conhecido como Vienna Lager e passou por muitas mudanças, o que fez o BJCP já considerar a classificar a versão clássica como cerveja histórica, que é a que vamos tratar nesse artigo.

A Vienna Lager é uma cerveja avermelhada, com características de lagers alemãs, com sútil caráter tostado e maltado, com um final nítido e seco. É feita para ser bebida no dia a dia e em grande quantidade e isso tem que ficar muito claro quando pretendemos fazer uma.

Para atingir isso ela deve ser leve e equilibrada. Apesar de ser classificada como uma cerveja maltada, não deve ser doce, mas sim ter os aromas e sabores associados aos maltes em destaque. Palavras geralmente associadas ao estilo são “Elegante” e “Sutil”.

Embora para mim seja uma pouco impreciso definir uma cerveja como elegante, relaciono esses termos com um perfil de fermentação extremamente limpo associado a um equilíbrio perfeito: Ao final do gole, a cerveja não é amarga, não é doce, não é frutada, o que podemos perceber é principalmente é o caráter de grãos, panificação e tostado, que apesar de sutis, podem ser claramente percebidos por não haver outro destaque.

Considerações para elaboração

De certa forma é possível elaborar essa cerveja apenas com malte Vienna, um malte seco por um curto período entre 85 e 90°C, o que já confere características sutis de caramelo e toffe e acentua as de pão e biscoito!. O malte Munich por sua vez, é seco em temperaturas um pouco mais altas e apresenta maior intensidade de cor e um leve tostado. Ambos maltes são quase mandatórios para o estilo!

Para deixar a cerveja mais complexa é possível ter a presença de malte pilsen, que reduz cor e é mais neutro, dando a possibilidade de explorar outros maltes, como caramelo – o qual deve ser utilizado com extremo cuidado para não descaracterizar o estilo, melano – Que me parece bastante adequado, bicuit aromatic também parecem adequados em pequenas quantidades.

Tenha em mente que esses maltes devem estar em segundo plano e não competir com as características do malte Vienna e Munich. Maltes menos intensos poderiam entrar em até 5% no grist e os mais intensos se limitar a 1%.

É possível utilizar maltes escuros para corrigir a cor, que não é alcançada apenas com malte Vienna.  Prefira maltes “desamargados” como o Carafa II, mas tenha em mente que as quantidades devem ser muito pequenas. Se houver bastante malte Munich na receita (que já tem um leve tostado), não usar mais que 0,5% e no geral, e mesmo se o uso de malte pilsen for predominante, não passar de 1%.

Algo que está causando muita dúvida é uma colocação errada no BJCP, que cita na sua introdução ao estilo: “com uma impressão elegante derivada da base de maltes e do processo, sem emprego de adjuntos nem de maltes especiais” porém isso está equivocado tanto do ponto de vista histórico, das instruções do Brewers Association (outro guia de estilos), quanto do próprio BJCP, que na parte de ingredientes afirma que para o estilo Vienna Lager “Pode-se usar alguns maltes caramelo e/ou mais escuro para adequação de cor e dulçor, mas os maltes caramelo não devem adicionar aroma e sabor significativo de maltes e os maltes escuros não devem fornecer nenhum caráter de tostado ou de torrado.” o que por si só já coloca um ponto final na dúvida. Então sim, pode se utilizar maltes especiais.

Quanto ao processo, podemos explorar o uso de fervura prolongada, por pelo menos 90 minutos, principalmente se utilizado malte pilsen, para evaporar a SMM, precursora do DMS, que é considerado falha se perceptível. É possível também trocar o malte pilsen por pale ale, que naturalmente tem menor quantidade de precursor, embora isso possivelmente possa deixar os alemães e austríacos bravos.

Para atingir a cor do estilo apenas com maltes pilsen e vienna seria necessário recorrer à processo de decocção, o que pode ser bastante interessante também.

Lúpulo não é o foco do estilo, porém equilíbrio é! Busque uma relação BU:GU por volta de 0,5. Família Saaz e Styrian são indicados pelo BJCP enquanto o BA sugere Lúpulos de caráter nobre. Tradition é um bom lúpulo se considerar a relação custo benefício. Tem caráter nobre e um teor de alfa ácidos maior que Saaz e Styrian.

A presença de um leve aroma de lúpulo é facultativa  e pode ser atingida por adições de 20-10 min. Se optar por usar, se limite a 0.75g/L (15g em 20L).

Estudos recentes mostram que é possível alcançar aromas de lúpulo característicos de cervejas lagers por adições de 60 minutos (isso mesmo, com lúpulo de amargor) por meio da conversão térmica do Humuleno e Cariofileno em suas versões oxigenadas. Então o uso de lúpulos ricos nesses compostos pode ser benéfico. Nessa linha e considerando apenas lúpulos da família Noblesse destaca-se o Hallertau Mittelfruh, Vanguard, Tradition e o Perle.

Embora a água clássica de Vienna seja bem particular e bem interessante:

Calcium     Magnesium    Bicarbonate     SO4-2     Na+1      Cl-1
(Ca+2)         (Mg+2)           (HCO3-1)

  163                68                   243              216           8           39

Vejo que uma água com teor em torno de 100ppm de cálcio, e um equilíbrio maior na relação cloreto sulfato poderia beneficiar a cerveja. Sem carbonato e sódio, sugiro  algo como:

Calcium     Magnesium    Bicarbonate     SO4-2     Na+1      Cl-1
(Ca+2)         (Mg+2)           (HCO3-1)

  100                10                   –              120           –           100

A fermentação é o ponto chave de qualquer cerveja lager e devemos utilizar todos os recursos possíveis para torna-la o mais limpa possível. Para isso a dosagem adequada de levedura é fundamental. Para atingir a dosagem teórica para uma cerveja lager de 1.050 de OG é recomendado três pacotes de leveduras de 11g (ou o uso de um starter adequado). Isso além de permitir um perfil de fermentação limpo, ainda possibilita podermos abaixar a temperatura de fermentação para 8-10°C e manter um tempo de fermentação razoável, o que colabora mais ainda para alcançarmos o resultado almejado.

Recursos adicionais que podemos utilizar começam com a oxigenação, a qual é fundamental para quem está reaproveitando levedura ou utilizando starters muito grandes. Outro fator é o uso de nutrientes a base de zinco, como a adição de 1 g/100L de servomyces ao final da fervura. Além disso a fermentação pressurizada em 0.8 bar é um recurso adicional que pode ser explorado, mas que se feito todo os outros procedimentos de forma correta é dispensável.

Qualquer levedura lager é adequada, porém dê preferência para as mais neutras.

A fermentação conduzida em temperaturas baixas tende gerar uma cerveja com presença de diacetil e compostos sulfúricos, que são muito minimizados se a dosagem da levedura for adequada. Mesmo assim, a elevação da temperatura no final da fermentação, conhecida como descanso de diacil (ou diacetyl rest) é fundamental. Se for possível acompanhar o curso da fermentação, ao faltar 1°P para atingir o fim a gravidade final estimada, eleve a temperatura para 18°C por 3-4 dias. Isso não terá impacto negativo no aroma e facilitará muito a expulsão dos aromas sulfúricos bem como a reabsorção do diacetil. Se não tiver como acompanhar precisamente o curso da fermentação, faça esse procedimento quando a atividade de fermentação tiver baixa (por mais que me doa dizer isso, o airlock, caso não haja vazamentos no fermentador, pode ser um bom indicativo).

Após o descanso de diacetil é hora de começar a clarificação e o processo de lagering. Se você não dispõe de meses para isso, não é inadequado usar auxiliares de clarificação. Na fervura pode ser utilizado whrilflock, e se você não tiver problemas com produtos de origem animal, gelatina ao fim da fermentação. Caso contrário, ainda a opção de usar um auxiliar de clarificação à base de sílica, que tem apresentado bons resultados em clarificação geral. Se o teor de cálcio da água estiver adequado, junto com o uso dos auxiliares, a cerveja deve clarificar em 2-4 dias. Se possível, desça a temperatura de forma gradativa, pois ao contrário do que é divulgado, a floculação (processo que ocorre antes da decantação) da levedura é pior em temperaturas muito baixas. O ponto ótimo é entre 8 e 12°C, mas depende muito da linhagem, assim uma queda suave de temperatura permite tempo suficiente para levedura nessa faixa, o que facilitará a decantação quando chegar a temperaturas próximas de zero.

Receita (22L, 70% Ef)

Maltes

Vienna – 3,2 kg (60%)

Munich 20 – 1 kg (20%)

Pale Ale (ou Pilsen) – 1 kg (20%)

Carafa II – 60g (<1%)

Lúpulo – Tradition 90min 25IBU (36g)

Levedura – w34/70 3 Pacotes

Passo a passo

Como é a primeira vez que escrevo uma receita aqui, normalmente é conveniente expressar os maltes em porcentagens e não em quantidade absolutas, pois existem diferenças em equipamentos. Assim como o lúpulo varia de safra para safra e perde alfa ácido no armazenamento, é normal se referir ao tempo de adição e os IBUs no tempo, aí você pode adaptar para seus casos.

As correções de água serão feitas com base na água média do Brasil, que pode não ser seu caso, assista o vídeos sobre isso no Beer School.

A receita está ajustar para o equipamento K45 da Ezbrew, faça as adequações para seu sistema.

Em 33.5L de água, adicione os sais (5,5g cloreto de cálcio, 4,3g Sulfato de cálcio e 2g sulfato de magnésio). Se for fazer lavagem, reserve 14L para o mash e o resto para lavagem.

Faça o mash à 66°C por 1 hora (ou até passar no teste do iodo) e mash out a 78°C por 5min.

Caso faça lavagem, ajuste o pH com ácido fosfórico para menos de 5.6 e utilize o resto da água.

Faça a fervura por 90 minutos adicionando todo lúpulo já no começo da fervura.

Faltando 15 minutos adicione o whrilfloc e 0.22g de servomyces.

Resfrie até 8°C e transfira o mosto ao fermentador. Oxigene bem e adicione a levedura.

Ajuste o fermentador para 10°C e acompanhe o progresso da fermentação dia a dia.

Ao final da fermentação (porém com ela ainda ativa) suba a temperatura para 18°C e mantenha por mais 4 dias.

Reduza gradativamente a temperatura no período de 24 – 36h para zero graus célsius e adicione o auxiliar de decantação (gelatina ou sílica)

Mantenha nessa temperatura até clarificar totalmente.

Para fermentadores cilindrocônicos purgar a levedura assim que baixar a temperatura e então a cada dois dias.

Para primming, calcule 5.1 g/L de cerveja final. Se passar de 18°C, essa quantidade deve ser recalculada.

Autor: Jamal Awadallak

Jamal Abd Awadallak Criador do Canal Beer School no youtube Doutor em Engenharia Química na área de Processos Químicos e Bioquímicos Professor Adjunto da Universidade Federal do Paraná Coordenador do Curso de Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia SPA

22 comentários em “Vienna Lager”

  1. Caro Jamal, excelente sua formulação de receita. Para mim, que somente há dois anos estou nesse mundo cervejeiro, é um tremendo aprendizado. Pretendo replicar sua receita quando tiver um tempo. É bacana porque vou poder acompanhar o seu resultado.

  2. Muito bom, Jamal. Parabéns.
    Uma pergunta quanto ao ajuste de água para este estilo. Na relação cloreto/sulfato, apesar de estarmos buscando o equilibrio, não seria mais adequado tender um pouco mais para o cloreto para favorecer um pouco mais o maltado?

    1. Cara, pontuação muito boa… eu confesso que fiquei mt em dúvida nessa água. Se olhar a água histórica, ela é totalmente deslocada para o sulfato. Eu resolvi pelos mesmo motivos que vc falou, fazer uma água equilibrada, só que na verdade a água equilibrada mesmo, não é exatamente 1:1, pq o malte tem mais cloreto que sulfato. Não dá para precisar isso sem análise, mas para a água 1:1 a gente faz algo tipo 1.1:1 (só estimativa) entende?

      Outro motivo foi para bater o balanço de íons!

      1. Boa ! está claro, obrigado.
        Realmente estranha a água histórica. Acho que vou tentar fazer aqui com este perfil e ver como fica.

  3. Parabéns Jamal, te acompanho a tempo mas não tenho hábitos de comentar redes sociais, mas este merece os parabéns pela didática e exclente explanação do estilo. W

  4. Grande Jamal, parabéns pelo blog e formato do texto. Sou assinante da BYO e precisamos ter algo do estilo aqui. Tomara que você mantenha essa intenção. Estaremos sempre por aqui. Abraço.

    1. Somos assinantes juntos! deve ter percebido que eu copiei totalmente o formato kkkkkkk
      Estamos juntando um corpo de escritores bem legal.. eu sozinho não dou conta, mas com colaboração vai longe.

  5. Excelente a iniciativa do blog Jamal! Sucesso!
    Uma dúvida: para auxiliar na queda da temperatura do mosto para inocular a levedura a baixo de 10C posso reservar, por exemplo 20 ou 30% da água da lavagem, deixando ela a 0C e posteriormente adicionar esta água diretamente no fermentador junto ao mosto? No caso perderia um pouco de eficiência, porém já corrigiria isto na receita aumentando um pouco os maltes e consequentemente lúpulos. Obrigado pela atenção!

    1. Caio, o ruim de fazer isso é o fato de vc estar diminuindo a água de lavagem, que é o principal fator contribui para o aumento da eficiência. Agora, se seu processo for como o meu, sem fazer lavagem (sacrificando a eficiência) pode ser uma alternativa até para quem usa trocado de claro de placas ou contra fluxo fazer lupulagem e não altear o amargor na demora de descer a temepratura.

  6. Fala Jamal!
    Fiz essa receita e está no 5º dia de fermentação. A OG saiu de 1,048 e está a 1,040, fermentando a 10º. A atividade está relativamente baixa.
    Quanto tempo sua receita ficou nesta temperatura até você decidir aumentar? E qual foi a densidade nesta mudança?

    Valeu e parabéns pelo excelente trabalho!

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